Assistimos recentemente à “prosopopeia” da carne fraca, nos interessando mais pela suposta existência de papelão e ácido ascórbico em nossas refeições, do que na existência de corrupção envolvendo agentes do agronegócio. Literalmente, fomos fisgados pelo estômago na atração pela notícia. Talvez, porque já estamos satisfeitos dos casos de corrupção; talvez, porque ainda sejamos uma sociedade primitiva, que se envolve apenas com questões básicas da mínima sobrevivência.

Verdade é que assistimos à divulgação em massa acerca de aventados produtos fora do padrão de qualidade para o consumo mostrando-se, posteriormente, uma condenação precipitada, feita sem subsídios específicos e, pior, causando danos – não à nossa saúde física (o que teria ocorrido na hipótese da carne putrefata), mas, mais ainda, à nossa integridade moral (já tão abalada por incontáveis e indigestos casos de condutas imorais e ilícitas).

Há que se ressaltar que a maioria das empresas citadas na investigação e nas reportagens foram apontadas, não em razão da má qualidade da carne, mas em virtude de questões administrativas e políticas, na medida em que mencionadas como participantes de um esquema de propina e suborno. Todavia, o sensacionalismo da mídia primou em veicular de forma distorcida o real enfoque da Operação Carne Fraca.

E ainda: o que se questiona é o porquê de não terem sido realizadas perícias técnico-científicas nos produtos apontados como impróprios para o consumo, ainda na fase inquisitorial, poupando todo o nicho agropecuário de uma exposição desnecessária e injusta, causando danos à imagem das empresas mencionadas que, nos exatos moldes de nossa legislação, somente podem ser condenadas após o devido processo legal.

Isso porque, a própria Polícia Federal, alguns dias após ser deflagrada a operação, veio a público divulgando nota à imprensa, através da qual afirmou que as investigações não visavam apurar a qualidade da carne brasileira, mas sim “desvios de conduta profissional praticados por alguns servidores”.  Por óbvio que a questão apontava que há algo de errado, não no setor do agronegócio – ao menos até onde restou provado -, mas sim no cenário relacionado a alguns  políticos e agentes do Estado, responsáveis pela área.

Do ponto de vista prático, o que assistimos é a mais um julgamento prematuro, causado pelo despreparo e pelo sensacionalismo da mídia, em absoluto descompasso e inobservância às mais comezinhas regras de Direito, que asseguram (ou deveriam assegurar) que a condenação somente pode emanar do Poder Judiciário, após o devido processo legal.

Há que se ter em mira que a divulgação de notícias que maculam a imagem, a honra, a moral e o nome – seja lá de quem for – deve ser feita de forma comedida, sempre dentro dos limites necessários ao direito de informação. Qualquer abuso ou desvio que cause dano precisa ser reparado. É exatamente neste sentido que nossa legislação prevê que aquele que causar dano a outrem, fica obrigado a indenizar, consoante preconiza o Código de Civil vigente.

Dito isto, é cediço que as empresas ou dirigentes tidos como fraudadores, em não restando condenados pela Justiça, poderão valer-se de ações indenizatórias, por se terem visto envolvidos no escândalo em apreço.

O que de fato está provado é que o Estado é ineficiente: quer seja sob o aspecto de que as investigações devem tramitar preservando o sigilo e resguardando, ainda que minimamente, a integridade moral dos indiciados, na expectativa de que a condenação não venha antecipadamente ao exercício irrestrito do direito constitucional de presunção de inocência, do contraditório e da ampla defesa; quer seja pela falta de controle sanitário – caso fique demonstrado serem mesmo impróprias para o consumo a carne brasileira.

Não é de hoje que a mídia condena, sem que haja prévia condenação pelo Poder Judiciário.

Temos que admitir: há algo bem mais podre no país do que nossas carnes!

Camila Moreira é advogada e professora do Curso de Direito da UNIFEOB.

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